quarta-feira, 2 de julho de 2008

A Stasi das curvas femininas

Minha coluna Folha de S. Paulo de ontem fala da SPFW e da Quartas Intenções, festa na sauna produzida por Silvia Paz:


Um padrão de beleza menos famélico não faria das modelos cabides menos eficazes para as criações das grifes


CECILIA GIANNETTI [dj bree]

ESTA COLUNA VAI para as meninas que fazem pequenos cortes com gilete nas coxas que consideram grossas demais; para as mulheres que entram na faca em lipoesculturas arriscadas e desnecessárias. E para a gente incapaz de estabelecer mentalmente a diferença entre uma modelo bem paga que desfila no São Paulo Fashion Week e a estudante que desfila em festinhas de faculdade.

O assunto predominante na última SPFW foi a "obesidade" da modelo tcheca Karolina Kurkova. Como diria meu avô, eu já estava p**** dentro da roupa para escrever sobre isso. Passou-se uma semana desde o acontecido, mas nunca é tarde para se comentar asneiras daquele naipe.

No sábado, dia 21, o stylist Paulo Martinez afirmou aos jornais: "Achei ela obesa, foi um erro trazê-la", referindo-se à top Karolina.

Concordamos que modelos internacionais que recebam cachês estratosféricos para desfilar de biquíni devem vir secas -como pede o padrão da moda. Porém, a obesidade é reconhecida pela Organização Mundial da Saúde como uma doença grave. Chamar de obesa Karolina Kurkova é um exagero irresponsável de quem se esqueceu de que existe um mundo fora daquele dos desfiles.

Irresponsável porque atinge de maneira negativa meninas que podem morrer em função de distúrbios alimentares -e mulheres comuns que morrem por dentro por se acharem inadequadas até para arranjar um parceiro, sair na rua ou, simplesmente, comprar um vestido. A modelo jamais deveria ter aceitado uma grana preta para exibir a bunda onde celulites haviam teimado em aparecer. Mas chamá-la de "obesa" mexe com mulheres que vivem fora desse universo onde é comum uma adulta vestir 32.

Gente comum que não está doentiamente acima do peso -só fora do que a Stasi do binômio moda-mídia demanda- entra em parafuso com tamanhas exigências. Um padrão de beleza menos famélico não faria das moças que desfilam profissionalmente cabides menos eficazes para as criações das grifes. E tornaria menos infelizes mulheres que sofrem por não se encaixar -em roupas e no padrão de beleza.

A regra do raquitismo ultrapassa o ambiente onde a moda é produzida, entra sem cerimônia no nosso dia-a-dia, sem que a gente o peça. E mexe com a cabeça de muita gente boa.

A modelo tcheca foi apedrejada com adjetivos equivocados por ter ultrapassado os, sei lá, 45 quilos considerados normais para pessoas de 1,90 m de altura. Tal incongruência invade uma realidade na qual isso não deveria existir como um padrão comparativo. Chamar de "obesa" aquela mulher gostosa é como dar uma instrução à população feminina: "Alimentem-se exclusivamente de alface, comprimidos de Desobesi e água". Graças à inanição dessa dieta estúpida, em breve você perderá muitos quilos, saúde e a capacidade de fazer sinapses. Viva!

Na mesma semana do Kurkova Gate fui cobrir a "Quartas Intenções", promovida por Silvia Paz -primeira festa exclusivamente para mulheres em uma sauna gay no Rio de Janeiro. Fêmeas de todos os tamanhos e formas circulavam de toalha ou biquíni. As menos tímidas, seminuas. A ala masculina da Stasi da SPFW teria ficado roxa de ódio com a diversidade vista por lá; não havia dedos acusatórios: "Celulites! Obesa!". Fato: neste caso, mulher gosta muito mais de mulher do que alguns homens poderão jamais apreciá-las. Porque, como diria a fofa Bridget Jones, é preciso gostar "do jeitinho que ela é".

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